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– Vou partir para as terras quentes do Sul – declarou a cegonha com visível orgulho. – Desde que anunciaram tempos difíceis, não penso noutra coisa.
– Quem é que anunciou tempos difíceis? – perguntou a tartaruga com um bocejo.
– O boletim meteorológico. Falou de vento, chuva, frio, enfim, só de coisas desagradáveis. E eu,
sempre que posso, fujo do que me aborrece.
– Foge?
– Bom, é uma força de expressão. Sabes que aproveito todos os pretextos para uma viagenzinha.
Certa de que despertaria inveja, a cegonha pôs-se a descrever as delícias de que desfrutava nas suas viagens:
– Oh! Levantar voo, bater as asas, lançar-me à aventura! Hoje uma terra, amanhã outra... Você sabe lá o que se encontra por esse mundo fora. Há cada animal!
– Imagino – respondeu a tartaruga.
– Não imagina, não. Ora diga, consegue fazer passar pela tua cabeça uma manada de bichos que parecem pacíficos e de trato fácil, mas que afinal são indomáveis e nunca nada, nem ninguém
conseguiu domesticar?
– Nada mais simples, são zebras.
Um pouco desconsolada, a cegonha insistiu:
– E um mastronço de pele dura como sola, míope, neurótico e com um chifre só?
– Nada mais fácil. É o rinoceronte.
A cegonha já estava ficando irritadíssima [...]. Cheia de más intenções, perguntou de novo:
– Já viu uns pássaros coloridos que falam, falam, mas não dizem nada, porque se limitam a repetir o que outros já disseram?
Pachorrenta como é de seu natural, a tartaruga abanou a cabeça, encolheu-se na casca, voltou a esticar-se. Parecia ter pouca vontade de responder.
– Então? Perdeu a língua? Na verdade nunca encontrou nenhum destes pássaros.
– Ó filha, o que mais há por aí são papagaios.
Quase enraivecida, a cegonha começou a falar como uma matraca.
– E os bichos que carregam os filhotes numa bolsa até eles serem bem grandes? E as aves que
põem os ovos nos ninhos alheios, porque não estão para se cansar tratando das crias? E os grupos que guincham com voz esganiçada, pouco se importando se incomodam ou não as pessoas? Conhece?
– Cangurus, cucos e macacos – foi a resposta seca.
A cegonha calou-se, descorçoada. E mais descorçoada ficou quando a tartaruga resolveu por sua vez fazer perguntas.
– Então agora diga você que viaja tanto. Qual é a ave mais rápida do mundo?
A cegonha engoliu em seco, porque já cruzara com todas as espécies, mas nunca lhe ocorrera averiguar a que velocidades se deslocavam.
– Tolices – resmungou. – Queria que eu andasse cronometrando os voos de cada um? Tenho mais que fazer!
– Bom, então diz onde é que os caracóis têm os olhos.
– Os caracóis? Sei lá! São tão pequenos que nunca me despertaram qualquer interesse. Gosto de animais grandes, porque só os grandes têm importância neste mundo.
A conversa tomara, afinal, o rumo inverso do que a cegonha pretendia. Tanto quis deslumbrar a
tartaruga com os seus conhecimentos e acabou fazendo uma triste figura. A outra sabia muito mais do que ela! Isso a irritava, mas também a enchia de curiosidade. Como é que, sem sair de casa, uma pessoa podia estar tão bem informada? Não resistiu e perguntou. A tartaruga riu.
– Como é que eu estou bem informada? É muito simples, cara amiga…
– Então explique.
– Não explico. Vem comigo e verás com os teus próprios olhos. Segue-me!
Lá foram então as duas, uma pela água e outra pelo ar. Depressa chegaram ao destino.
Uma gruta simpática, coberta de algas por fora e muito bem arranjada por dentro. Areia fofa, conchas, búzios e livros. Livros a não acabar mais! Uns de capa dura, outros de capa mole, com desenhos maravilhosos ou quase sem desenhos nenhuns, pequenos, médios, grandes, finos, grossos,
delicados, resistentes, mínimos e descomunais!
– O segredo está aqui, na minha biblioteca. Não me desloco, mas viajo pelos caminhos da leitura. Só preciso de óculos, de curiosidade e de imaginação!
Ana Maria Magalhães e Isabel Alçada, Três Fábulas, Lisboa, Caminho, 2007
ATIVIDADES
Assinale com X a opção que completa a frase, de acordo com o sentido do texto.
1. Nesta fábula, uma cegonha e uma tartaruga encontram-se e ... (A) combinam fazer uma viagem. (B) conversam sobre o que sabem. (C) falam sobre as suas viagens. (D) inventam um jogo sobre animais | 2. Durante o encontro com a tartaruga, a cegonha queria... (A) partilhar com ela os seus desejos. (B) falar-lhe sobre todas as suas viagens. (C) mostrar que sabia mais do que ela. (D) informá-la sobre a sua próxima viagem. |
(A) calada, sem resposta. (B) incomodada, com sede. (C) esfomeada, sem comida. (D) engasgada, com soluços. | 4. A tartaruga, para explicar como tinha aprendido tanto, resolveu... (A) falar de outros animais. (B) contar a sua história. (C) mostrar a sua biblioteca. (D) fingir que adivinhava tudo. |
qual e a respota
ResponderExcluirColoco no blog como recebo as atividades. Não há como eu colocar a resposta de tudo.Quando recebo com respostas coloco no blog, mas se recebo sem coloco assim mesmo. Não há tempo suficiente para responder cada uma...
ResponderExcluirabraços
adorei e a melhor historia que ja vi
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