Era uma vez um menino. Pequeno no tamanho, mas enorme namorador. Tinha a idade que se podia contar nos dedos das duas mãos, mas suas namoradas não cabiam nos dedos das suas mãos. Quase ninguém sabia o seu nome. Ele era o Namorado. Desde a primeira série o chamavam assim. Agora, na quarta série, continuava a mesma história. Todos o chamavam Namorado.
Namorado era simpático. Tinha dois olhos pequenininhos, mas vivos, muito vivos e sempre sorridentes. Ele tinha uma boca enorme, com dentes grandes, bem brancos. Usava cabelo comprido, meio liso, meio encaracolado nas pontas. Um cabelo preto, tão preto que até parecia que, com os raios do sol, se tornava azul... Namorado tinha a altura normal para um menino de dez anos. Além disso, era um ótimo aluno, um bom companheiro, enfim, tudo aquilo que os professores gostam de dizer que deve ser um aluno. Só tinha aquela mania: namorava todas as meninas de sua sala de aula. Era assim: ele chegava de manhã na aula e dizia:
- Oi, gurias, tudo bem?! E já ia dando beijinho numa e abracinho na outra, puxando trancinha da Sônia, dizendo que-bonita-que-estás-hoje para a Duca, e assim por diante.
As coisas iam assim, como iam todos os dias, até que certa vez...
- Gurias, vocês viram o que eu vi?
- O que foi que tu viste, Matilde? – as meninas rodeavam a colega, excitadas e curiosas.
- Ontem, na matinê... o Namorado estava com uma outra menina que não é da nossa classe!
- Mas que sem-vergonha!
- Quem é a sirigaita? – foi querendo saber, objetivamente, a Carla.
- Ah, não sei, só sei que não era uma guria da nossa turma. Nem da nossa escola ela era...
- Essa não, e agora, o que vamos fazer?! – choramingava a Susana.
- Eu acho que a gente tem de dar uma lição no Namorado. Agora chega, gurias. Namorar com todas nós a gente aceita, mas trair todas nós com uma estranha...
- Temos de nos vingar.
Naquele dia, o recreio foi muito pequeno para tudo o que as meninas tinham de combinar. Combinar e executar. Executar a partir do dia seguinte. Que, dito e feito, correu como elas haviam combinado. Namorado chegou de manhã na escola e como sempre...
- Oi, gurias, tudo bem?!
Só que dessa vez nenhuma menina respondeu. Namorado repetiu a pergunta. Mais do que não responder, as meninas se afastaram, viraram-lhe as costas, saíram de perto, se fizeram de surdas. Namorado estranhou.
- Oi, gurias, algum problema?
Ninguém respondeu para Namorado e, como a professora já vinha chegando, as coisas ficaram para a hora do recreio. Durante a aula, Namorado sentiu que havia, realmente, algum problema:
- Marisa, me empresta a borracha?
A Marisa não emprestou.
- Tânia, como é a resposta desse problema de matemática?
A Tânia estava surda.
Namorado, pela primeira vez, se sentiu sozinho. Pior: solitário. Terrível! Sem namorada!
Na hora do recreio foi outro problema para ele. Normalmente Namorado convidava alguma menina para ir até o bar do colégio lanchar. Naquele dia, nenhuma aceitou.
Namorado voltou para a segunda parte da aula muito preocupado. Nunca vivera uma situação assim. Esperou que no dia seguinte as coisas mudassem. Não mudaram. E nem no seguinte, e menos ainda no outro... Quando chegou a sexta-feira, Namorado ainda tentou fingir que não havia nada:
- Carminha, a gente vai no cinema no domingo de tarde?
- Não, no domingo vou sair com meu primo...
Namorado sentiu uma coisa muito esquisita no peito, no coração, na boca, algo assim que ele não entendeu muito bem, mas que deu uma fisgada nele, igual ao anzol quando pega na boca do peixe.
Namorado tentou com Julia. E com Sandra. E com Janice... Com todas era a mesma coisa, quer dizer, cada uma tinha uma desculpa diferente. Nenhuma aceitou sair naquele fim de semana com Namorado que, pela primeira vez, ficou um fim de semana sem namorada... Pensou, pensou... “Troco de turma? Troco de escola? Arranjo uma namorada nova? O que eu faço?”
Na segunda-feira, imaginou Namorado, as coisas voltariam a ser como antes. Quer dizer, como sempre haviam sido. Mas chegou a segunda-feira e Namorado viu que, pelo contrário, as coisas continuavam como nos últimos dias, quer dizer, as meninas todas emburradas com ele. Daí, Namorado começou a descobrir o que era solidão. O que era ficar sozinho. E começou a se dar conta de que, na verdade, antes, ele era namorado de todas as meninas, mas verdadeiramente não tinha uma única namorada. Talvez por isso as colegas estivessem sentidas com ele... E refletindo sobre isso, ficou andando pelo pátio, meio sozinho, meio triste, quando bateu em alguém...
- Desculpe...
Sorriu, constrangido. Era Beatriz, da outra quarta série. Namorado lembrou que Beatriz era uma das poucas meninas que não era sua namorada. Talvez porque todos a achassem feia, até ele. Mas agora, com óculos... Com óculos? Cadê os óculos?
- Acho que quebraram... – falou Beatriz, torcendo as mãos, nervosa.
Namorado também ficou nervoso. Que azar! Quebrar os óculos da Beatriz bem agora! Não dava sorte mesmo! Namorado apressou-se a pegar os óculos que estavam no chão. Tirou o lenço, limpou as lentes com cuidado e devolveu os óculos para Beatriz, que os colocou no rosto e sorriu, tímida:
- Obrigada! Você nem me viu, não é?
- Não, eu estava pensando...
- É chato a gente ficar sozinho, não é?
- Como é que você sabe, quer dizer... você acha?
- É, eu quase sempre estou sozinha, tanto que você nem me viu!
Namorado encabulou. Era verdade. Mas naquela hora, até que era uma sorte poder conversar com Beatriz. E então o recreio passou depressa, quase tão depressa quanto passava antes, quando Namorado estava sempre rodeado de suas namoradas. Por isso, no final do recreio, Namorado convidou:
- Você me espera na saída?
- Mas eu nem sei seu nome!
Namorado deu-se conta de que ninguém, antes, havia lhe feito essa pergunta.
- Eu me chamo Dante, e você?
- Beatriz. Te espero na saída, sim... Dante.
(Fonte: HOHLFELDT, Antônio. A greve das namoradas. São Paulo, Editora Ática, 1999 – Fragmento – Adaptação)
AS VEZES PENSAMOS QUE SOMOS A CENTRO DAS ATENÇÕES MAIS NA VERDADE , AS PESSOAS NEM SE QAAUER SABE O QUE TEMOS DE MELHOR
ResponderExcluirtenho que fazer um trabalho sobre ele
ResponderExcluireu tambem tenho
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