O filho olha emburrado o prato vazio, o pai pergunta se não está com fome. — Com fome eu tô, não to é com vontade de comer comida de velho.
Lá da cozinha a mãe diz que decretou ― De-cre-tei! — que ou ele come legumes e verduras, ou vai passar fome.
— Não quero filho meu engordando agora para ter problemas de saúde depois. Só quer batata frita e carne, carne e batata frita!
Ela vem com a travessa de bifes, o pai tira um, ela senta e tira o outro, o filho continua com o prato vazio.
— Nos Estados Unidos — continua ela — um jornalista passou um mês comendo só fastfood, engordou mais de seis quilos!
— E como é que ele agüentou um mês só comendo isso?! — perguntou o pai, o filho responde:
— Porque é gostoso! — E pega com nojo uma folhinha de alface, põe no prato e fica olhando como se fosse um bicho.
A mãe diz que é preciso ao menos experimentar para saber o que é ou não gostoso, e o pai diz que, quando era da idade dele, comia cenoura crua, pepino, manga verde com sal, comia até milho verde cru.
— E devorava o cozido de legumes da sua avó! E essa alface? Pra comer, é preciso botar na boca...
O filho enfia a alface na boca, mastiga fazendo careta, pega um bife, a mãe pula na cadeira, pega o bife de volta:
— Não-senhor! Só com salada pra valer, arroz, feijão, tudo!
— Ele continua olhando o prato vazio, até que resmunga:
— Se vocês sempre comeram tão bem, como é que acabaram barrigudos assim?
O pai diz que isso é da idade, o importante é ter saúde.
— E você, se continuar comendo só fritura, carne, doce e refrigerante, na nossa idade vai pesar mais de cem quilos!
— No Japão — resmunga ele — podia ser lutador de sumo e ganhar uma nota.
— E no Natal — cantarola a mãe — vai ser Papai Noel né? E Rei Momo no carnaval... — Não tripudie — diz o pai. — Ele ainda vai comer de de tudo. Quando eu era menino, detestava sopa. Aí um dia minha mãe fez sopa com macarrão de letrinhas, passei a gostar de sopa!
O filho pergunta o que é macarrão de letrinhas, o pai explica. Ele poê na boca uma rodela de tomate, o pai e a mãe trocam um vitorioso olhar. O pai faz uma voz doce:
— Está descobrindo que salada é gostoso, não está?
— Não, peguei tomate para tirar da boca o gosto nojento de alface, mas acabo de descobrir que tomate também é nojento.
— Mas catchup você come não é? Pois é feito de tomate!
— E ele também não come ovo — emenda a mãe — mas come maionese, que é feita de ovo!
O filho continua olhando o prato vazio.
— Coma ao menos feijão com arroz — diz o pai.
Ele pega uma colher de feijão, outra de arroz dizendo que viu um filme onde num campo de concentração só comiam assim pouquinho, só o suficiente pra sobreviver... Mastiga tristemente, até que o pai lhe bota o bife no prato de novo, mas a mãe retira novamente:
— Ou salada ou nada! Sem chantagem sentimental!
O pai come dolorosamente, a mãe come furiosamente, o filho olha o prato tristemente.
Depois a mãe retira a comida, ele continua olhando a mesa vazia. Na cozinha, o pai sussura para ela:
— Mas ele comeu duas folhas de alface, não pode comer dois pedaços de bife?!...
Ela diz que de jeito nenhum, desta vez é pra valer; então o pai vai ler o jornal, mas de passagem pelo filho, pergunta se ele não quer um sanduíche de bife — com salada, claro. Não, diz o filho, só quer saber de uma coisa da tal sopa de letras. O pai se anima:
— Pergunte, pergunte!
— Você podia escrever o que quisesse com as letras no prato?
— Claro! Por que, o que você quer escrever?
— Hambúrguer, maionese e catchup.
É teimoso que nem o pai, diz a mãe. Teimoso é quem teima comigo, diz o pai. O filho vai para o quarto, só sai na hora da janta: sopa de macarrão. Então, vai escrevendo, e engolindo as palavras: escravidão, carrascos, nojo, e enfim escreve amor, o pai e mãe lacrimejam, mas ele explica :
— Ainda não acabei, tá faltando letra pra escrever: amo rosbife com batata frita...
Domingos Pellegrini
Antologia de crônicas: crônica brasileira contemporânea. São Paulo: Moderna, 2005.
1) Assinale o fato narrado nessa crônica.
( ) Pai, mãe e filho discutem na mesa de almoço e jantar sobre a alimentação do filho.
( ) Pai e filho querem comer bife com batatas todos os dias.
2) Que personagens participam dessa crônica?
3) Assinale o tipo de narrador dessa história.
( ) Narrador-personagem, pois é a personagem principal que conta o que aconteceu com ela.
( ) Narrador-observador, porque é alguém que não participa da história, e que narra o acontecimento.
4) Em que momentos do dia acontecem esses diálogos?
5) Por que o pai e a mãe lacrimejam ao ver a palavra amor escrita na sopa?
6) Releia a última fala.
- Ainda não acabei, tá faltando letra para escrever: amo rosbife com batata frita...
a) Que efeito essa fala causa no leitor?
( ) tristeza ( ) suspense ( ) humor
7) Releia os trechos.
- Com fome eu tô, não tô é com vontade de comer comida de velho.
- E devorava o cozido de legumes da sua avó! E essa alface? Pra comer, é preciso botar na boca.
a) A linguagem dos diálogos é sofisticada ou simples? Explique:
8) Identifique quem está falando em cada uma das falas.
a) __ Não quero meu filho engordando agora para ter problemas de saúde depois. Só que batata frita e carne, carne e batata frita.
b) __ Coma ao menos feijão com arroz.
c) __ Você podia escrever o que quisesse com as letras no prato?
9) A história lida poderia ter acontecido na vida real? Por quê?
10) Leia o trecho e reescreva-o no futuro: ( 5 acertos)
O filho enfia a alface na boca, mastiga fazendo careta, pega um bife, a mãe pula na cadeira, pega o bife de volta.
( 1 ) peão ( ) rabo de animal
( 2 ) pião ( ) anular o mandato de um candidato
( 3 ) cauda ( ) brinquedo que roda
( 4 ) calda ( ) apanhar aves ou animais
( 5 ) caçar ( ) homem que monta em cavalos e touros
( 6 ) cassar ( ) xarope doce colocado em pudins
Adoreeei essa crônica! Me diverti muito e sei que meus alunos também vão adorar. Muito obrigada. Seus trabalhos são riquissimos e nos auxiliam muito.
ResponderExcluirObrigada pelo carinho!!!
ResponderExcluirAbraços!
a senhora e muito boa em escoler cronicas essas sao uma da minha preferidas
ExcluirMinha professora,Anésia Lara,acabou de trabalhar esta crônica com minha sala e adorei o texto!!!
ResponderExcluirParabéns pelo blog, parceira!
ResponderExcluir(sou professora, também)
minha prof de portugues deu o comeco desse texto para a gente continuar e depois lemos o texto verdadeiro e comparamos
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